Você já terminou de escrever um parágrafo, releu, e sentiu que… faltava algo? A ideia estava lá. As palavras, também. Mas a cena não tinha vida. O leitor não sentiria nada.
Isso acontece porque muitas vezes a gente conta demais — e mostra de menos. Vamos a um exemplo:
“Ela estava nervosa. Olhou o relógio e esperou.”
Agora leia isso:
“Ela tamborilava os dedos na mesa, os olhos fixos no ponteiro do relógio que parecia mais lento a cada segundo. Mordeu o lábio e soltou um suspiro curto, impaciente.”
Percebe a diferença?
Ambos os trechos falam sobre o mesmo momento. Mas um deles te coloca dentro da cena. É como se você pudesse ouvir o silêncio, ver os gestos, sentir a tensão.
É exatamente isso que a técnica do show, don’t tell ensina: mostrar ao invés de apenas contar. E a boa notícia? Isso é possível até em textos simples — e você pode começar a aplicar agora.
Neste artigo, vamos explorar o que significa essa técnica, por que ela é tão valorizada, como aplicá-la nos seus próprios textos, e quando vale a pena equilibrar com uma boa narração direta também.
Se você quer tornar sua escrita mais envolvente, emocional e visual — vem comigo.
O que significa Show, don’t tell?
A expressão “Show, don’t tell” é uma orientação clássica em oficinas de escrita criativa — e por um bom motivo. Em tradução livre, significa: mostre, não conte.
Ou seja: em vez de informar o leitor sobre o que está acontecendo, você convida ele a perceber, sentir e imaginar por conta própria.
Em vez de escrever “João estava triste”, você descreve os ombros curvados, o olhar perdido, o silêncio arrastado. Você constrói a emoção com imagens, gestos, reações e atmosferas — e não com rótulos.
Mostrar é fazer o leitor participar.
Contar é resumir a informação.

Uma analogia simples: imagine que você está assistindo a um filme. Você não escuta o narrador dizendo “ela estava com medo” — você vê o jeito como ela segura a respiração, como seus olhos correm pela sala, como as mãos tremem ao abrir a porta. Isso é “show”.
Já “tell” seria o equivalente a um narrador dizendo: “ela estava com medo”. Informativo, sim — mas distante.
Agora, vale um parêntese importante: Contar não é um erro. O problema não está em usar “tell”, mas em usá-lo de forma preguiçosa, quando a cena merecia mais presença e sensibilidade.
Quando você entende o efeito de cada escolha, começa a escrever com mais intenção.
Nos próximos tópicos, vamos explorar por que essa técnica é tão valorizada — e como aplicar nos seus próprios textos sem perder a fluidez.
Por que essa técnica é tão valorizada?
Quando alguém diz que um texto “prende”, geralmente está falando disso — mesmo sem saber. O que torna a escrita envolvente não é só o que está sendo dito, mas como está sendo mostrado.
A técnica do show, don’t tell é valorizada justamente porque ela transforma a leitura em experiência. O leitor deixa de ser um espectador passivo e passa a viver aquilo com os personagens.
1. Mais visual, mais emocional
Ao mostrar em vez de contar, você estimula os sentidos. Cria imagens mentais. Faz com que o leitor veja, ouça, sinta — e isso gera identificação. Emoção.
É o que transforma um simples parágrafo em uma cena inesquecível.
2. Conexão com personagens
Ninguém gosta de ser informado que um personagem é “ansioso” ou “arrogante”. O leitor quer perceber isso no comportamento, nas escolhas, nas entrelinhas.
Quando você mostra a inquietação com um tamborilar de dedos, ou o orgulho ferido com um olhar evitado — o personagem ganha corpo.
Você não precisa explicar. Você deixa o leitor descobrir, e isso cria laço.
3. Profundidade narrativa
Mostrar bem é ir além do óbvio. Você evita o excesso de adjetivos e começa a construir o mundo da história com base em detalhes concretos: sons, texturas, reações, pausas.
Esse cuidado dá ritmo, riqueza e camadas ao texto — e ajuda até mesmo nos gêneros mais objetivos, como crônicas, contos curtos ou narrativas comerciais.
No fundo, show, don’t tell é confiar na inteligência do leitor. É dar a ele a chance de sentir, em vez de apenas ser informado.
Exemplos práticos: o antes e o depois
Nada melhor do que ver na prática como essa técnica transforma a narrativa.
A seguir, trago três emoções comuns — tristeza, raiva e desejo — para mostrar a diferença entre apenas contar (tell) e realmente mostrar (show).
Emoção 1: Tristeza
- Tell: Ela estava muito triste com a notícia.
- Show: Ela leu a mensagem em silêncio. A mão que segurava o celular começou a tremer. Sentou-se devagar, como se o peso da cadeira fosse o único que pudesse suportar o dela.
➡ ️ Repare como não há menção direta à palavra “triste”, mas o cenário e os gestos falam por si.
Emoção 2: Raiva
- Tell: Ele ficou com muita raiva quando foi ignorado.
- Show: Ele apertou o maxilar. As palavras vieram até a garganta, mas ficaram presas ali. Os olhos, antes calmos, agora queimavam como se quisessem dizer tudo sozinhos.
➡ ️ Ao mostrar a tensão corporal e o impulso contido, a emoção se torna quase física para quem lê.
Emoção 3: Desejo
- Tell: Ela sentia um desejo intenso por ele.
- Show: O ar parecia mais denso quando ele se aproximava. Os dedos dela, inquietos, brincavam com a borda do copo sem perceber. Quando ele sorriu, ela desviou o olhar — e sorriu também, como quem se entrega sem admitir.
➡ ️ Aqui, o desejo é mostrado em detalhes pequenos e sutis, que revelam mais do que uma simples declaração.
A beleza do show, don’t tell está nessas entrelinhas. Não é sobre florear — é sobre fazer o leitor sentir.
Como aplicar Show, don’t tell nos seus próprios textos
Agora que você já entendeu o conceito e viu como ele funciona na prática, vem a parte mais importante: como colocar isso nas suas histórias, contos, crônicas — ou até em textos mais analíticos e criativos.
A verdade é que aplicar show, don’t tell exige treino e atenção. Mas, com o tempo, se torna natural. Aqui vão algumas dicas práticas pra começar:
1. Use os cinco sentidos
Quanto mais sensorial o texto, mais fácil para o leitor visualizar a cena. Pergunte-se:
➡ ️ O que meu personagem está vendo? Ouvindo? Sentindo na pele?
➡ ️ O cheiro do ambiente importa? O gosto de alguma coisa pode reforçar a emoção?
Exemplo: Em vez de escrever “ela estava nervosa”, tente:
“Suas mãos suavam e as palavras saíam emboladas, como se cada sílaba fosse uma pedra na garganta.”

2. Substitua adjetivos e advérbios por ações
Adjetivos e advérbios são úteis, mas em excesso deixam a escrita mais “contada” do que “mostrada”. Troque “ela falou nervosamente” por algo mais visual:
“Ela bateu a unha na mesa e falou sem olhar nos olhos dele.”
3. Observe o subtexto
O subtexto é o que está por trás do que é dito — ou até do que não é dito. Quando você mostra uma emoção por meio de um gesto, silêncio ou pausa, está dando ao leitor a chance de interpretar.
Exemplo: Em vez de escrever “ele estava com ciúmes”, tente:
“Ele riu, mas não tirou os olhos da mensagem que ela digitava. Quando o celular vibrou de novo, ele levantou e foi até a janela, como se o ar ali fora fosse mais fácil de respirar.”
4. Trabalhe o contexto ao redor da informação
Às vezes, a melhor forma de mostrar algo é criar um ambiente que carregue o clima emocional.
Não diga que uma casa é sombria. Mostre o silêncio que ecoa, o rangido da madeira, o relógio que insiste em marcar cada segundo como se fosse um susto.

Um exercício simples
Escolha um parágrafo que você já escreveu — pode ser de um conto, um capítulo de romance, ou até um diário.
Agora, reescreva esse parágrafo usando as dicas acima. Tire as palavras que rotulam emoções e tente traduzi-las em ações, sensações ou reações físicas.
Se quiser um desafio extra: troque um diálogo expositivo por uma interação silenciosa entre os personagens.
Mostrar é como pintar uma cena. Você não diz ao leitor o que ele deve sentir — você cria o espaço para que ele sinta por conta própria.
Quando tell também funciona?
A gente fala muito sobre mostrar, mostrar, mostrar… Mas a verdade é: nem tudo precisa (ou deve) ser mostrado o tempo todo.
Tell — ou seja, contar, narrar de forma direta — também tem o seu lugar na escrita. O segredo está no equilíbrio.
1. Para ganhar ritmo
Em cenas de transição, recapitulação ou passagem de tempo, o tell pode ser um ótimo aliado. Não precisa mostrar cada detalhe de um deslocamento de três dias ou descrever a ida ao mercado, se isso não for relevante pra narrativa.
Exemplo: “Nos meses seguintes, ela se dedicou ao novo trabalho com uma determinação silenciosa.” (Pronto. A informação foi passada, o leitor entendeu. E a história segue.)
2. Para fatos objetivos
Nem tudo precisa de floreio. Quando a informação é clara e não exige emoção, ser direto pode funcionar melhor.
Exemplo: “Ele tinha 32 anos e morava sozinho.” Esse tipo de frase funciona como âncora informativa dentro de cenas mais intensas ou sensoriais.
3. Quando a intenção é mostrar distância emocional
Às vezes, o próprio tell cria um efeito narrativo. Se o personagem está emocionalmente desligado ou reprimido, o uso de frases mais “secas” e diretas pode reforçar isso na linguagem.
Exemplo: “Ela soube da notícia e seguiu lavando a louça.” Você não precisa dizer que ela ficou em choque. O silêncio fala por si.
O equilíbrio é o que transforma a escrita
Mostrar tudo o tempo inteiro pode cansar. Contar tudo o tempo inteiro pode afastar. É na alternância entre os dois que sua escrita ganha ritmo, respiro e força.
Na dúvida, pergunte: essa informação precisa ser sentida ou apenas compreendida? Se a resposta for “sentida”, talvez valha a pena mostrar. Se for “compreendida”, tell pode dar conta do recado.
Mostrar é como acender uma cena. Contar é como resumir o roteiro.
Os dois têm função. Os dois são escolhas narrativas. E quando usadas com intenção, essas escolhas fortalecem a sua voz como autor(a).
Mostrar é uma forma de confiar no leitor
Escrever é, no fundo, um exercício de confiança.
Confiar na história. Confiar na própria voz. Confiar que o leitor vai sentir o que não está escrito literalmente — e vai entender, mesmo que você não diga tudo.
A técnica do show, don’t tell nos lembra disso. Que bons textos não explicam cada passo. Eles convidam o leitor a entrar na cena, respirar o ambiente, observar os detalhes e tirar suas próprias conclusões.
Claro, nem sempre é fácil. Exige prática, atenção, reescrita. Mas com o tempo, você começa a perceber onde mostrar emociona mais… e onde contar resolve melhor.
No fim das contas, mostrar é abrir espaço para que o leitor participe. E é aí que a mágica da escrita acontece.
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